Nosso combinado é que teríamos 04 paradas para hidratação e alimentação: com 60 minutos, depois com 40. Outra com 60 e mais uma com 40. Quem não chegasse neste tempo seria reabastecido a cada 30 minutos. Também cancelamos o tempo máximo de prova de 05:30 hs, ficando acertado que a prova acabaria somente quando o último atleta chegasse em Bora Bora.
Demorei uns cinco minutos a sair da ilha. Tempo suficiente para ver que os atletas não estavam cumprindo o acordo de nadar num grupo só. Como o mar estava muito calmo, sem nenhuma onda ou vento no momento da largada, acredito que os mais fortes acharam por bem não ficar preso aos mais lentos e partiram dispostos a baterem seus recordes pessoais para esta distância. Esta foi a impressão que tive inicialmente quando vi que se dispersaram bem rapidamente.
Com uns trinta minutos nadando, alcancei o mais lento do grupo que partiram com ânsia de engolir o mar até Bora Bora, Carlos Barros. A partir dai formamos uma dupla e começamos a nadar lado a lado. Vi muitos cardumes de peixes coloridos embaixo de mim. Nadamos em mar de brigadeiro durante os primeiros 60 minutos e, conforme o previsto, paramos para comer e se hidratar. Nos barcos de apoio tínhamos água, maçã e banana prata. Cada atleta também preparou o seu kit particular de alimentação.
Após a primeira parada, eu e o Carlos Barros continuamos no mesmo ritmo, um conseguindo ver as braçadas e pernadas do outro por baixo d água. Nadamos mais 40 minutos e outra vez paramos para beber e comer banana com maçã. No barco vermelho que nos acompanhava estavam o apoiador Grégori e o José do Mar, na pilotagem. Comi e fiz alguns alongamentos. Carlos Barros também e saímos para a próxima etapa de uma hora. Olhando a frente ainda conseguia ver um mar calmo, com ondas suaves, ventos brandos. O único obstáculo era uma correnteza que nos arrastava na direção de São Sebastião, tomando como referência a Ilhas das Couves. Procurava no horizonte o outro barco de apoio e vi que ele estava bem longe. Notei que não seguia um rumo único, indo para um lado e outro do caminho melhor que leva a praia de Bora Bora. Entendi que os atletas haviam se dispersado muito. Vi um que seguia na direção da praia de Barra do Una e dois que tomaram o rumo do Cantão do Indaiá. Razão esta que fazia o barco maior, sob o comando do Alemão e da apoiadora Manuela Rodrigues, ficarem cruzando para um lado e outro, a fim de suprir mantimentos. E foi neste momento, em que não havia coesão no grupo, ou seja, a maioria nadava sozinho, aproximadamente as 10 hs da manhã, que começou a soprar um vento Sudeste de forte intensidade, fazendo as ondas crescerem quase dois metros e a correnteza aumentar, puxando todos novamente na direção da ilha.
A 2ª Travessia Ilha Montão de Trigo, que os golfinhos pareciam anunciar como um “simples passeio no mar”, figurava-se agora como uma luta ente Davi e Golias, sendo nós os representantes de Davi e o mar, com ondas grandes e ventos fortes, o Golias.
Logo os braços e pernas começaram a sentir uma maior dificuldade em vencer as ondas. O esforço para avançar era espartano, heroico. Quando nosso barco saiu para dar apoio ao Daniel Biagio voltou com o mesmo dentro, o qual nos disse que começou a vomitar dentro d’água e não estava mais conseguindo varar as ondas fortes. Em seguida o nosso piloto recebeu uma ligação do outro barco, dizendo que estava recolhendo todos do mar, porque estava impossível de continuar a travessia. Então ele nos avisou e pediu que eu e o Carlos Barros também abandonássemos a prova. Era o sensato a fazer tendo em vista o quesito segurança.
O Carlos Barros, sentindo que não estava progredindo como fazia antes do mar se enfurecer, saltou para o barco de apoio. Então fiquei só e disse para o barqueiro que podia ir embora para a praia que eu iria lutar contra aquele mar até alcançar a praia nadando. Ele não atendeu, dizendo que não podia me abandonar ali sozinho com as ondas bravias. Nadei um pouco mais e quando parei para tomar água ele me avisou que eu não tinha progredido nada. Na verdade a correnteza estava me puxando outra vez na direção da ilha. Comecei a desanimar. O sonho de realizar a 2ª Travessia Ilha Montão de Trigo estava por terminar. Todos os treinamentos anteriores e as estratégias de alimentação e paradas de descanso, não eram suficientes para vencer aquelas ondas. Porém, antes de subir no barco e declarar-me desistente, olhei para a Ilha das Couves e percebi que apesar dos infortúnios contrários, eu havia avançado um pouco. Logo meu ânimo voltou e disse ao piloto do barco de apoio que ia continuar. Então ele me disse ter recebido um novo telefonema do Alemão dizendo que todos haviam desistido e só eu estava insistindo em vencer a muralha formada pelo vento, correntezas e ondas.
Este telefonema foi um balde de água fria em minhas intenções. Se, segundo ele, todos já tinham sido recolhidos do mar e estavam se dirigindo para a praia de Bora Bora, não havia mais motivo para que eu, como Organizador do evento, ficar ali desafiando a fúria do mar. Então, muito a contragosto, subi no barco e dei por encerrada a prova. Pedi que fossemos direto para praia e faria a entrega dos kits de participação aos atletas.
Seguimos uns 10 minutos e resolvi levantar-me na proa e ver as ondas bravias que venceram meus “Tubarões Humanos”, título que dou a todo atleta que faz a Travessia Ilha Montão de Trigo. Tive então uma surpresa: enxerguei uma boia amarela a minha esquerda, a uns 500 mts. Pedi ao barqueiro que rumasse para lá. Quando chegamos encontrei o Felipe Bogéa que lutava bravamente com as ondas. Decidi voltar a nadar, pulei do barco e fomos juntos até o tempo que não tinha mais forças para seguir no seu ritmo. Fui ficando para trás e, de repente, me vi sozinho lutando com as ondas. Nadei um bom tempo sem ver o barco de apoio ou qualquer atleta. Nadando com o resto de energia, cheguei ao través da Ilha do Maracujá, de onde já se consegue ver uma pontinha da praia de Bora Bora, o outro extremo desta prova. Porém, vi que estava faltando água para os músculos e neste momento chega o barco do Alemão, trazendo-me água, frutas e hidratantes. Tomei apenas meio litro de água e segui animado que iria conseguir terminar o resto do percurso. E assim aconteceu.